BTS Entrevista: Sandro “ansdor”, desenvolvedor do jogo indie Slipstream

Alô fãs de esports e seguidores da BTS Brasil! Hoje temos mais uma matéria da seção BTS Entrevista! Semanalmente, traremos entrevistas com figuras ligadas aos games e aos esports, para que você saiba mais sobre os nomes conhecidos dos games e da internet em geral.

Hoje, falaremos com o Sandro “ansdor”, desenvolvedor indie e criador do jogo de corrida Slipstream:

Primeiramente, uma apresentação sua: qual sua formação, quem é o Sandro fora do trabalho com desenvolvimento de games, etc.

Tenho 32 anos, nasci e moro atualmente em Ipatinga, no leste de Minas Gerais. Estudei Jornalismo na Unileste-MG e Economia na UFMG, em Belo Horizonte, mas não terminei nenhum dos dois cursos. Morei em BH entre 2012 e 2019, e pretendo voltar pra lá quando puder. Trabalhei como artista freelancer por algum tempo, mas hoje me dedico quase inteiramente aos meus jogos e coisas relacionadas.

Quando e como veio a ideia de ser um desenvolvedor de games?

A primeira vez que eu me lembro de ter pensado nisso conscientemente foi quando li uma matéria na revista Ação Games, em 1996 ou 1997, sobre o então recém criado curso de desenvolvimento de jogos numa faculdade americana chamada Digipen. Eu tinha 7 ou 8 anos, não sabia o que era uma faculdade, mas a ideia de fazer um curso pra criar videogames me conquistou imediatamente. Eu falava pra minha mãe que queria estudar lá, mas era um sonho infantil e distante.

Meu primeiro contato real com o ofício foi em 2003, através do RPG Maker 2003 traduzido pela Maker Universe, um fórum brasileiro da época, que veio num CD-ROM daqueles de banca de revista. Nessa época comecei a aprender a programar e fazer pixel art, mas não fui muito além disso, tinha só 14 anos. Passei o fim da década meio afastado de videogames de modo geral.

No começo dos anos 10, quando começaram a surgir os primeiros grandes sucessos da cena independente, decidi tentar de novo. Comecei como hobbyista enquanto estudava jornalismo, fazendo projetinhos minúsculos e tentando aprender como as coisas funcionavam. Com o tempo isso foi se tornando uma parte maior da minha vida, até que em 2015, quando larguei a faculdade de economia, se tornou minha única ocupação.

Em qual/quais jogos você já trabalhou? Fale um pouco sobre cada um.

Fiz alguns joguinhos de brincadeira entre 2012 e 2014, que nunca foram distribuídos fora do meu círculo de amigos. Meu primeiro jogo comercial foi Meow Sushi Night, originalmente lançado pra Android em 2014. Era um endless runner gratuito e extremamente difícil (Flappy Bird tava em alta na época). O jogador controla um gatinho pulando entre prédios e coletando sushi flutuante na noite de uma grande cidade. Era um joguinho bem básico, eu ainda não tinha nenhuma segurança como programador, mas foi uma primeira experiência bem positiva, que me deu motivação pra continuar.

Não rendeu nenhum dinheiro substancial, mas chegou a 100 mil downloads na Play Store, com uma nota média em torno de 4.1 estrelas, antes de ser removido por não-compatibilidade com alguma versão do sistema Android (nunca procurei saber a fundo). Foi também minha primeira colaboração com meu amigo e parceiro criativo, Stefan Moser, músico e sonoplasta dos EUA, com quem continuo trabalhando até hoje. 

Slipstream segue uma temática retrô, usando de estética vaporwave/synthwave

O segundo foi o Slipstream, que por enquanto ainda é o último, lançado pra PC em 2018 e disponível na Steam. Um jogo de corrida retrô intensamente influenciado pelos jogos da Sega, especialmente OutRun e Sonic, pelo anime Initial D e pela estética vaporwave/synthwave da metade dos anos 10. A ideia original do projeto era ser outro jogo de celular, bem simples e pequeno, mas eu perdi o controle do escopo da coisa (um erro clássico de iniciante) e ele acabou crescendo e se tornando um jogo de PC. Ele foi financiado por uma campanha no Kickstarter em 2016, mas ficou preso no limbo criativo por dois anos antes de sair.

Foi um projeto uma ou duas ordens de magnitude maior do que tudo que eu já tinha feito na vida até então, foram anos de muito aprendizado e muita luta, mas no fim das contas, valeu a pena. O jogo foi bem recebido pelo público e, mesmo com marketing próximo de zero, vendeu muito acima das minhas melhores expectativas na época. O lançamento do Slipstream foi o momento em que eu comecei a me sentir um desenvolvedor de jogos “de verdade”, finalmente.

Entre 2020 e 2021 eu reescrevi todo o código do Slipstream, que foi lançado como uma versão nova e atualizada (v1.2.0) em setembro de 2021. Ainda é superficialmente o mesmo jogo, mas pra mim foi como um projeto à parte, tive que refazer tudo do zero, adicionei várias novas mecânicas e mudanças no gameplay.

Atualmente estou envolvido com dois projetos. O primeiro tá sob NDA, mas vai sair em 2022 ainda. O segundo ainda tá numa fase bem primitiva (comecei a trabalhar nele semana passada), mas a ideia é que seja uma continuação espiritual pro Slipstream, dessa vez inspirado por F-Zero e Redline. Espero ter algo mais tangível pra mostrar até o fim do ano, mas prefiro não prometer nada por enquanto.

Ainda sobre seus projetos, qual/quais mais gostou de fazer?

Todos os meus projetos foram passos enormes pra mim, eu ainda não encontrei uma zona de conforto. Cada um deles trouxe muito aprendizado, tentativa e erro, novos problemas e novas soluções. Acho que gostei de todos do mesmo jeito, a experiência entre os três (contando as duas versões de Slipstream como projetos distintos) foi bem parecida, alternando momentos de muita frustração e de muita satisfação.

Quais são suas referências na hora de criar seus projetos? Títulos, produtoras, ou mesmo referências fora dos games (animes, cinema, TV); fique a vontade para falar de cada um dos títulos que já trabalhou!

Quase todas as minhas ideias partem de uma inspiração musical. O primeiro passo pra decidir a identidade artística de um jogo, pra mim, é pensar numa trilha sonora. Isso me dá uma base firme pra começar a juntar imagens, ideias e outros elementos. Eu não trabalho diretamente com a música nos meus projetos, quem faz isso é o Stefan, mas eu junto as referências pra direcionar o trabalho dele.

Pro Meow Sushi Night, o ambiente de cidade noturna me fez pensar numa trilha de jazz, e isso definiu toda a cara do jogo. No Slipstream, eu sentia que o efeito visual da pista de corrida em pseudo-3D trazia uma sensação hipnótica parecida com a do vaporwave, em ascensão na época, e isso influenciou o jogo de várias formas. Initial D, o anime, também foi obviamente uma grande inspiração, acho que não teria como fazer um jogo sobre drifting sem se inspirar em Initial D.

Falando de influências mais gerais, eu gosto muito de toda a obra da Sega (especialmente nos anos 90 e 2000), dos jogos da antiga Squaresoft pro PS1, gráficos 3D não-realistas como Megaman Legends e Jet Set Radio, e ficção de terror em todas as formas. Como quase todo mundo que trabalha com isso, eu tenho pouco tempo pra jogar videogame por diversão, mas ano passado joguei Persona 5 e ele virou um dos meus favoritos.

Quais são os desafios de ser um desenvolvedor de games independente? E qual o lado de positivo de trabalhar de maneira independente?

O mundo dos grandes jogos AAA é, por natureza, meio engessado. Não existe muita margem pra experimentação lá, nem em gameplay, e menos ainda em arte, que é o que me interessa mais. É uma indústria de investimentos multimilionários que têm que trazer retornos multimilionários, e isso cria barreiras criativas.

Na cena independente eu sinto o oposto: quase ninguém espera ganhar muito dinheiro além do que for necessário pra cobrir os custos do jogo, que normalmente são só os custos de sobrevivência dos desenvolvedores durante um tempo. Na cena independente, os artistas têm o controle criativo dos jogos. É o único lugar onde você pode se dedicar a fazer o jogo dos seus sonhos e não tem que dar satisfação pra ninguém além do seu público, que pode ser bem pequeno em relação à totalidade, mas grande o suficiente pra sustentar financeiramente sua ideia e sua equipe.

Acho que isso resume tanto o lado negativo quanto o lado positivo. Neste momento, pelo menos, eu não trocaria minha autonomia criativa por um cargo numa empresa grande.

Eventos como a Brasil Game Show (BGS), tem áreas específicas para os títulos independentes, para dar espaço aos mesmos. Pensando neste tipo de ideia, como você vê o mercado de games independentes? É possível viver disso no Brasil?

A cena independente ainda é muito pequena, menor ainda no Brasil. Existem relativamente poucos desenvolvedores e pouco público. 2021 foi o melhor ano da história pra cena independente nacional, vários lançamentos notáveis internacionalmente, mas ainda falta muito pra gente atingir um número realmente substancial de pessoas aqui. Videogame no Brasil ainda é elitizado, apesar disso estar diminuindo, e existe uma certa rejeição do público gamer tradicional em relação a jogos menores e menos tecnicamente avançados que os grandes lançamentos.

A situação econômica do país, que não vai muito bem, também reduz muito a margem de renda que as pessoas, em média, estão dispostas a gastar em entretenimento, mais ainda partindo desse ponto natural de desvantagem: Se eu gastar, agora, R$50 nesse joguinho indie brasileiro que parece talvez ser legal, não vai me sobrar R$300 pra pegar o novo Call of Duty daqui a um mês. É um comportamento normal de consumidor, não tem nada de errado nisso, mas é meio frustrante pra gente. O que nos resta é tentar fazer jogos tão legais que convençam a pessoa a adiar um pouquinho o Call of Duty. E já tem muita gente conseguindo, felizmente.

Se é possível viver disso no Brasil, depende de vários fatores no projeto. O Slipstream vendeu o suficiente pra me sustentar, mas passei muito tempo trabalhando nele sem nenhuma renda, com ajuda da família, porque perdi o prazo depois da campanha no Kickstarter. E eu trabalho (quase) sozinho, se fosse um time de dez pessoas, ele teria que render dez vezes mais, e isso já seria bem mais difícil. Fazendo um balanceamento bom de escopo do projeto, tamanho do time de desenvolvimento, cumprindo bem os prazos e tendo expectativas realistas de vendas, acho que é possível sim.

Considerações finais: considerações sobre o cenário dos games atual, algum comentário ou desabafo que queira fazer, etc. Este espaço é seu!

Acho que já falei tudo que podia, haha. Se o leitor puder contribuir de qualquer forma, comprando um jogo, divulgando um jogo, dando um likezinho num post sobre um jogo que parecer interessante, faça isso! Faz toda a diferença pra quem tá do outro lado. E se quiser pode me seguir no twitter também, no @ansdor. Muito sucesso pra vocês e pra toda a cena independente brasileira, e muito obrigado pela entrevista e pelo espaço.

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Texto por Vitor Santos

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