Universidades e esports: como ambos podem andar lado a lado?

Viver em um lugar onde os esports rendem bolsas universitárias, como os jogadores de futebol americano e basquete que depois se destacam nas grandes ligas. Parece uma realidade interessante, e de fato é, mas ainda assim distante para muitos. 

Os Estados Unidos têm cerca de 164 milhões de jogadores casuais e profissionais, o que faz com que seja o segundo país com mais jogadores no mundo, perdendo apenas para a China. Em terceiro vem o Brasil, que, de acordo com pesquisa encomendada em 2020 pela Brasil Game Show (BGS) e Instituto Datafolha, possui por volta de 67 milhões. 

Pensando no grande número de jovens que praticam o chamado esporte eletrônico e também no número que isto representa para o mercado, várias instituições de ensino nos Estados Unidos passaram a apostar em equipes de esports, contando ainda com “olheiros” para buscar talentos em servidores de jogos e plataformas de transmissão.

Um exemplo de instituição que trabalha dessa forma é a Universidade da Califórnia Irvine, a cerca de 70 km de Los Angeles. Em 2016, a UCI montou uma arena de esportes eletrônicos com cerca de 325 metros quadrados e 75 computadores, para ser usada pelos alunos e pela comunidade local.

Arena de esports da Universidade da Califórnia Irvine (UCI)

Pensando no público e nas universidades que passaram a trabalhar com isso, uma associação foi criada em 2016 para unir todas universidades e faculdades com esports no programa. Com o nome de National Association of Collegiate Esports (NACE, ou Associação Nacional de Esports Universitários, em tradução livre), a mesma já reúne instituições em todos os quatro cantos nos EUA. No começo apenas sete faculdades faziam parte da NACE, e atualmente existem 189 escolas superiores que constam no registro.

Mapa das universidades norte-americanas com programas de esports

Uma dessas universidades é a NEO A&M College, futura faculdade de Victor Ferreira, de 20 anos. Em entrevista ao Globo Esporte (ge), o jovem carioca conta que ganhou bolsa integral para cursar Ciências da Computação graças ao League of Legends e a experiência em criação de conteúdo. O aluno foi aceito na instituição no estado de Oklahoma.

“Desde pequeno eu sou muito apaixonado por jogos. Já tentaram me matricular em atividade física, natação e coisas assim, mas eu nunca senti aquela paixão de verdade.. Quando eu comecei a jogar, foi aí que a chave virou na minha cabeça. Quando comecei a jogar no Playstation 1 e 2 era tudo em inglês, não tinha nada traduzido, então eu comecei a tentar aprender inglês só para entender o que eu tava fazendo. Nunca fiz curso de inglês, tudo que sei é por conta de jogo, música, série, filme…”, relata o aluno.

Victor Ferreira, jogador de League of Legends e aluno da NEO A&M College de Oklahoma (foto: arquivo pessoal/ge)

Victor joga League of Legends desde 2011, época em que ainda havia pouco conteúdo em português sobre o MOBA da Riot. Em 2017, resolveu investir em criação de conteúdo, com vídeos didáticos falando sobre as atualizações periódicas do jogo, ou mesmo sobre o jogo de forma geral. 

Por volta de 2018, o carioca ouviu falar nas bolsas via esports e em 2020 foi se aplicando em diversas instituições, até que um dia chegou a carta de aceitação da NEO A&M em junho de 2021.

“Desde o primeiro ou segundo ano eu mirei mais nisso. Continuei aprendendo inglês, mas sem curso. Aí comecei a me aplicar para as faculdades. Basicamente, eu via uma faculdade que tinha bolsa de esportes eletrônicos e eu mandava meu currículo. Poucas universidades cobram um vestibular, pelo que pesquisei. A maioria quer saber como você joga, como você se porta, o quanto você sabe do jogo, então normalmente é mais baseado no jogo em si”, explica.

Mas, embora tenha se aplicado à várias universidades, poucas deram resposta:

“Me apliquei em quase 10 e uma pediu nota do ENEM só. Não tive resposta de grande maioria, foi bem frustrante. No início do ano, uma amiga minha me indicou essa faculdade em Oklahoma e eu vi que eles estavam começando esse projeto de esportes eletrônicos. Já corri pra mandar meu email lá, depois eles falaram que tinham interesse em mim. Falaram que queriam minha ajuda no time e na parte de criação de conteúdo”, comemorou o jogador.

Victor conta que já está quase pronto para a nova etapa, com a viagem estando programada para janeiro de 2022. Embora sua bolsa de estudos seja integral, o aluno ainda precisa juntar uma quantia significativa para conseguir se manter nos Estados Unidos com o dólar valendo pouco mais de 5 reais atualmente.

O carioca não trabalha formalmente, mas conseguiu juntar uma grana fazendo trabalhos de edição para os amigos, além do apoio financeiro dos pais. Victor diz que também organizou uma vaquinha online para cobrir custos como a taxa de estudante internacional, a manutenção do dormitório, alimentação e classes extras.

“Muita gente tá ajudando. A gente tá divulgando em tudo quanto é lugar esse projeto. Muita gente que me acompanhava nos vídeos tá dando uma ajuda a mais. Ainda tá longe do que a gente estipulava, mas a gente recebeu uma ajuda absurda”, revela.

E os projetos de esports universitários no Brasil?

Em maio, a Unopar, universidade presente em seis cidades no Paraná, realizou uma iniciativa que no Brasil é praticamente inédita: a primeira edição da Copa Unopar, uma competição de Free Fire que distribuiu prêmios em dinheiro e bolsas na instituição, tendo Lucio “Cerol”, CEO do Fluxo, como embaixador.

Leonardo Queiroz, VP de Crescimento da Kroton, grupo educacional que tem a Unopar em seu leque, explica que o torneio foi feito pensando em incluir mais pessoas na instituição:

“Temos 32 milhões de brasileiros que estão fora do ensino superior e esse é um desafio que estamos buscando ajudar a encontrar soluções. Um dos principais fatores é a condição financeira das pessoas. Tendo esse contexto sociológico como base, queremos cada vez mais comunicar com esse público. Prova disso, foi a Copa Unopar”, diz Leonardo.

No caso da Copa Unopar, 12 bolsas universitárias foram distribuídas ao final da competição. Ao longo de todo o processo, 75 mil inscrições foram feitas e nove mil pessoas participaram da fase classificatória.

Premiação da Copa Unopar, evento de Free Fire realizado pela Universidade do Paraná (foto: ge)

Leonardo Queiroz completa seu raciocínio sobre o torneio de FreE Fire falando sobre a questão do ensino à distância, uma modalidade de ensino na qual a Unopar é pioneira:

“Realizar um torneio de esports foi a maneira que encontramos, por meio da marca Unopar, de estimular jovens inseridos no universo gamer com a oportunidade de cursar o ensino superior. Então, pensamos nessa estratégia para unir uma paixão e lazer com a possibilidade de realizar um sonho. E sem sair de casa, reunindo os amigos em ambiente virtual para atingir um objetivo de forma divertida e segura. A ideia da Copa Unopar foi aproximar a marca do público gamer tendo esse ‘ponto comum’ do ambiente digital pelo fato da Unopar ser a pioneira no ensino superior digital no Brasil, na modalidade EaD”, acrescentou Leonardo Queiroz.

Quanto aos resultados do torneio, a equipe All Our´s foi a grande campeã e ganhou quatro bolsas de estudo universitário e um total de 16 mil reais em dinheiro. A segunda colocada, com um ponto a menos, foi a equipe Baré e-Sports, que além de 8 mil reais também ganhou quatro bolsas de estudo na instituição. A Tropa Madrugadão foi o terceiro time a ganhar bolsas, bem como 4 mil reais em premiação.

Marcus Vinicius “drax”, capitão da All Our’s, tem 16 anos e mora em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais. O mineiro acredita na possibilidade de seguir carreira nos esportes eletrônicos, e contou que a equipe vai investir o dinheiro na compra de equipamentos, como fones, celulares e cadeiras gamer. 

Marcus Vinicius “drax”, capitão da equipe All Our’s de Free Fire (foto: arquivo pessoal)

O campeão da Copa Unopar também relatou que os pais ficaram felizes com a conquista, mas que ainda não acreditam totalmente nisso. Ainda assim, o estudante apostou no torneio pensando na bolsa:

“O que mais me chamou atenção da premiação foi o fato de eu poder ganhar uma bolsa de estudo em uma faculdade simplesmente jogando, coisa que eu gosto de fazer e o time todo gosta de fazer. Isso foi muito interessante pra gente. A gente vai poder treinar e melhorar, já que a gente já tem essa vaga na faculdade. Ninguém escolheu o curso que vai fazer, mas creio que vamos seguir nesse rumo: trabalhando como pro player de Free Fire”, conta o capitão.

Com o sucesso do evento, seus realizadores já estudam uma segunda edição, embora ainda não haja nenhuma data definida.

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Texto por Vitor Santos

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