Qual a relação do mercado de esports com a pandemia de Covid-19?

No ano de 2020, a pandemia de Covid-19 se tornou o centro das atenções de muitos assuntos, incluindo a economia e os mercados que a fazem girar. Mesmo assim, alguns mercados em específico tiveram um crescimento neste período, entre eles o de esports. Mas, como se deu esse processo?

Pedro Oliveira, cofundador da consultoria de estratégia focada em negócios do esporte, deu uma entrevista para o ESPN Esports Brasil que explica em maiores detalhes o crescimento dos esports no último ano e também as expectativas para o futuro.

Como foi o mercado em 2020

No final da década de 2000 e no começo da década de 2010, houve um “boom” no cenário de esports. Jogos como League of Legends, CS:GO, Free Fire e outros ganharam seu espaço no cenário (ou expandiram um espaço que já tinham anteriormente).

Com a pandemia, vieram os eventos esportivos cancelados. Campeonatos de futebol suspensos, corridas de automobilismo adiadas de forma indefinida, etc. Naturalmente, isso deu espaço para o esporte eletrônico crescer; o fato de não precisar estar perto para acompanhar uma partida ajudou a atrair público, por exemplo.

Pedro Oliveira lembra do período de abril a agosto de 2020, que teve transmissões de esports com altos números de audiência:

“De abril até agosto a gente viu altas muito agressivas nas audiências dos torneios, como no CBLoL que bateu recorde de audiência naquele período e o Gaules fazendo transmissões de CS:GO, chegando a alcançar 393 mil pessoas em um jogo da MIBR. Então a gente sentiu muito do ponto de vista da abertura a entrada de novas pessoas que não necessariamente acompanhavam o esporte eletrônico”, explica Pedro.

As transmissões do streamer Gaules são um exemplo de como o mercado dos esports explodiu repentinamente na pandemia

Ele ainda completa lembrando que a alta nos números foi um processo repentino:

“Quando a gente fala de competitivo, existem os dados das transmissões do Gaules que bateram recordes atrás de recordes com a galera assistindo os campeonatos de CS:GO. A média dele subiu muito de um ano para o outro, em 2019 ele tinha uma média de 30 mil pessoas e no ano seguinte subiu para 70/80 mil, quase triplicando a audiência média dele nos torneios”, diz.

Para o consultor, o cenário do esporte virtual encontrou em meio ao caos um ponto positivo para se expandir, alcançando um público que antes não havia alcançado.

“A pandemia trouxe esse entendimento e conhecimento maior de como funciona a indústria de esports. Então acho que o grande ponto positivo de 2020, para o esporte eletrônico, é que a gente terminou o ano com mais pessoas sabendo o que são os esports e mais pessoas acompanhando e consumindo o esporte eletrônico também”, ressalta.

Parcerias de marcas com equipes de esports é comum, mas nas palavras do consultor Pedro Oliveira, ainda falta pró-atividade das marcas

Porém, toda essa situação tem seu lado negativo: mesmo fechando 2020 em alta, o cofundador da consultoria acredita que o ponto negativo ainda é a “falta de participação e pró-atividade das marcas nesse processo” de crescimento, o que afeta o mercado posteriormente:

“Incomoda muito esse gerúndio das marcas de ‘Estou entendendo. Estou vendo. Estou pensando no que vou fazer’. Poucas marcas até hoje de fato compraram a briga de estar no mercado de esports e se debruçar, entender, investir, construir e apoiar o crescimento desse mercado. As marcas precisam ser mais ágeis para fazer esse movimento de encontrar novos consumidores, novas demografias dentro do mercado gamer, do mercado de esportes eletrônicos”, diz Pedro ao criticar a participação de algumas marcas, ou a falta delas, no mercado.

Por não haver nenhuma perspectiva de quando tudo voltaria ao normal, o setor dos esports soube aproveitar a oportunidade que teve com a falta dos esportes tradicionais e cresceu muito. Dessa forma, “projetamos que em seis meses o mercado cresceu o que cresceria em três anos”, segundo o especialista.

E, com o rápido desenvolvimento dessa indústria, os investimentos necessários também aumentam; e nem sempre o lucro que as organizações têm acompanha o crescimento do mercado.

Na opinião de Pedro, os responsáveis pelos times que forma o cenário dos esports devem pensar em como transformar seus negócios em modelos que sejam sustentáveis e viáveis, garantindo que as equipes sobrevivam a longo prazo.

“A necessidade de gerar receita para que os projetos sejam mais sustentáveis, não está acompanhando o ritmo de crescimento da audiência e do mercado. Hoje ainda enxergamos muitos times sobrevivendo de investimento, de ter que fazer captação, trazer investidor, fazer engenharia financeira e buscar crédito em banco, porque não existe uma receita recorrente suficiente para a manutenção do nível de investimento que esse crescimento requer”, observa.

Como deverá ser o mercado em 2021?

Para o ano de 2021, Pedro acredita que a pandemia serviu para abrir os olhos dos times em relação à tornar seus projetos mais sustentáveis, como dito anteriormente. E que essa onda de crescimento no cenário de esports continuará se expandindo, com o novo público entendendo mais as modalidades.

O especialista ainda comenta que talvez a tendência no mercado de esports em 2021 seja a entrada e investimento maior de organizações estrangeiras em equipes brasileiras, como já aconteceu por vezes com equipes de futebol da vida real.

“Enxergo em 2021 a gente passando por um movimento de consolidação, de times se juntando e equipes estrangeiras comprando brasileiras principalmente por conta da desvalorização do câmbio, que dá um poder de compra maior para organizações de nível global. Não à toa a gente vê a Liquid fazendo investimentos enormes no mercado brasileiro como a contratação do Fallen agora”, projeta Pedro, relembrando a contratação do brasileiro Fallen para o time de CS:GO da Liquid, uma das maiores organizações de esports do mundo.

Os esports, por serem realizados em uma plataforma digital, já nascem globais; isso facilita o investimento de uma mesma organização em diversas regiões, como costuma ocorrer no mercado brasileiro quando acontecem contratações de streamers, jogadores e elencos inteiros.

“O mercado brasileiro é o terceiro mercado do mundo do ponto de vista de audiência, então é um mercado super atrativo para eles, por isso vemos a Liquid, FaZe e a Immortals, por meio da MIBR, fazendo muitos investimentos por aqui. Hoje times como FURIA, paiN, INTZ, etc. competem com gigantes da indústria que tem muito mais poder de investimento que as equipes brasileiras”, detalha o especialista.

Pedro aproveita para fazer uma analogia com o futebol europeu, modalidade do esporte tradicional que gera grande receita, bem como tem um interesse popular de pessoas do mundo todo.

“Os jovens que acompanham o mercado vão olhar lá e pensar ‘Eu posso assistir o CBLoL ou vou assistir o Fallen jogando na Liquid?’. Então você começa a competir pela atenção do pessoal o tempo inteiro, e a valorização do dólar joga muito a favor de que isso aconteça porque acaba ficando muito barato para que as organizações estrangeiras invistam no Brasil”, diz Pedro Oliveira sobre a entrada de organizações estrangeiras na decisão de que produto será assistido.

Comparação com o esporte tradicional

Ainda falando da relação entre os jogos e os esportes tradicionais, usando o futebol como referência para comparações, o analista afirma que o mercado gamer nos dias hoje “já é um mercado muito maior do que o mercado esportivo no ponto de vista de audiência, mais pessoas jogam jogos eletrônicos semanalmente, seja em smartphone, console ou pc, do que pessoas praticam esportes”.

No entanto, isso só acontece quando falamos de quem joga casualmente. Por enquanto os esportes eletrônicos ainda não ultrapassaram os tradicionais em termos de cenário competitivo, mas, nas palavras do consultor, é só questão de tempo até que os esports se tornem maiores.

“Quando a gente faz o funil para o competitivo, para o esporte eletrônico, acho que ultrapassar os esportes tradicionais é um movimento inevitável. A gente não sabe se vai ser daqui a 5, 10 ou 20 anos, mas tenho aquela sensação de que o trem já partiu e ele vai atropelar. O momento que isso vai acontecer, a gente ainda não sabe”, prevê o consultor.

Para ele, muito desse crescimento acontece por ser relativamente fácil participar do mundo dos esports. Um grande exemplo disso é o Free Fire, jogo que se tornou um exemplo de inclusão nos esports por poder ser jogado apenas com um smartphone simples e uma conexão de internet, alcançando um público maior.

“Pensando nas novas gerações que já nascem em um mundo onde você está com um smartphone na mão tendo acesso direto e muito facilitado ao jogo eletrônico, quando para jogar futebol por exemplo você tem que encontrar mais pessoas e ter uma bola etc., por mais que o futebol seja muito fácil de ser praticado, os esports ainda são mais”, observa.

E mesmo tendo concorrência quando o assunto é atenção, os esportes eletrônicos e os tradicionais andam lado a lado quando se fala de inclusão social: funcionam como um modo de formar, desenvolver e dar mais oportunidades às comunidades carentes. 

O analista lembra do caso de Nobru, um dos mais conhecidos jogadores de Free Fire do Brasil, além de dar exemplos de projetos de inclusão através dos games:

“Temos usado muito um exemplo feliz, que é o do Nobru, que usa a expressão ‘A favela venceu’ e acho que os esports vem como mais uma via em um país que tem tanta desigualdade social, tanta falta de oportunidade, esse mercado é mais uma possibilidade para que as pessoas tenham oportunidades na vida”, observa o especialista.

“Hoje a gente vê projetos como AfroGames, que faz um trabalho super legal de levar os esports às comunidades carentes e mostrá-lo como uma ferramenta de crescimento e de mudança”, finaliza Pedro.

Texto por Vitor Santos

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