Direito nos esports: quais desafios jurídicos o setor enfrenta?

Nos últimos anos, passou a ser cada vez mais comum o investimento de empresas no setor de esporte eletrônico. Como exemplos, podemos citar a operadora de telecomunicações Vivo junto ao clube Keyd (denominando-se, a partir daí, Vivo Keyd), ou os clubes de futebol, como a Flamengo Esports, ou ainda nomes conhecidos do esporte como Ronaldo Fenômeno.

Assim, nota-se um crescimento do setor dos esports, já mencionado e debatido anteriormente. Mas, há uma área em específico ligada aos esports que não cresce no mesmo ritmo que o mercado: a área do Direito. Conforme mencionado nesta matéria do portal JOTA Info, muitas vezes, o esporte virtual precisa fazer uso de leis ligadas ao esporte convencional, como a Lei Pelé (criada em 1998 para trazer transparência e profissionalismo ao esporte nacional, com a criação de ligas e federações de vários esportes, instituição do direito do consumidor, etc.), para resolver pendências de seu dia-a-dia.

Mesmo contando com grandes competições em grandes arenas ou com jogadores mundialmente famosos, os esports ainda carecem de suporte na área jurídica, usando de leis trabalhistas ou esportivas comuns

Assim, ocorre um cenário de insegurança jurídica pela falta de regulamentação para situações próprias dos esports; o que eventualmente pode prejudicar o setor e seu potencial de mercado.

Por exemplo: não há uma previsão legal em relação aos atletas profissionais, à responsabilização de streamers ou ainda aos direitos de jogadores amadores, respaldados somente até então pelo Código de Defesa do Consumidor, bem como às crianças que interagem com os jogos e com seus jogadores.

Mas, a ausência de uma legislação específica não impede que a lei seja aplicada: pode-se citar, por exemplo, a existência de processos judiciais envolvendo banimentos alegadamente injustificados no jogo Free Fire, desenvolvido pela Garena.

Inclusive, vale citar que a empresa no Brasil já carrega 60 processos em que é ré, com pedidos de indenização e reativação de contas de jogadores, por exemplo. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, são 13 processos ativos – curiosamente, com autores representados pelo mesmo escritório de advocacia.

Um caso que vale ser mencionado é uma sentença da Comarca de Pereira Barreto/SP, no processo nº 1004650-06.2020.8.26.0024, no qual o juízo extinguiu o feito em relação à Google Brasil Internet, por ter considerado a mesma como ilegítima, e julgou improcedentes os pedidos do autor; isso aconteceu porque ele não teria produzido prova que afastasse a alegação da Garena de que o autor se utilizou de uma trapaça (o chamado “hack”) para obter vantagens indevidas em partidas de Free Fire.

Pode-se mencionar também o processo nº 5001931-68.2020.8.21.0073, que tramita na Comarca de Tramandaí/RS, no qual o laudo pericial apontou que o autor teria instalado um app conhecido como “Game Booster 4X Faster Free”, que, segundo o perito, “apenas melhora o desempenho do celular onde estiver instalado, não causando interferências no ambiente de jogo”. Esta instalação, segundo o autor, causou um “falso positivo” na constatação de trapaça pela Garena, o que eventualmente levou ao seu banimento.

Recentemente, também tivemos ações civis públicas propostas pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED) junto ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios em face da Garena e de outras empresas de jogos eletrônicos; as ações se dão em razão do oferecimento das chamadas loot boxes, ou caixa surpresa.

Esses produtos, no entender da ANCED, funcionam como uma prática de jogos de azar, na medida em que o consumidor adquire o mesmo sem saber qual prêmio ou produto conseguiu até que a caixa seja aberta no jogo.

Importante citar que tramita junto ao Senado, o PLS nº 383/2017, que estabelece, por exemplo, objetivos que já são implicitamente reconhecidos pela legislação desportiva existente e também no Estatuto da Criança e do Adolescente, embora sem aprofundar em discussões específicas como limite de jornada aos atletas profissionais, responsabilização das plataformas e/ou dos streamers e também de usuários (que acabam sendo favorecidos pelo anonimato das redes), em casos de injúria racial e homofobia, ou direitos dos consumidores como na questão das loot boxes ou de banimentos injustificados. Apesar disso, especialistas da área de Direito consideram que a proposta conta com um texto inicial ainda muito tímido para ser considerado como produtivo para o setor. 

Considerando-se todo o crescimento do cenário, seus valores econômicos, e as situações que podem requerer uma ação jurídica, pode-se dizer que os esports possuem desafios que não podem ser minimizados nem deixados de lado; ao se aplicar um amparo jurídico a uma área que é tão profissional quanto qualquer outra, todos saem ganhando. 

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Texto por Vitor Santos

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