Como os esports são e podem ser incluídos na periferia?

Desde seu surgimento, o videogame sempre foi considerado um artigo de luxo, um item supérfluo. Isso fez com que os consoles tivessem e ainda tenham preços altos ao longo das gerações, e o mesmo para os jogos de computador. Por consequência, o meio dos games acabou ficando elitizado, restringindo o acesso de classes mais baixas a um simples console ou jogo.

Naturalmente, a elitização se estendeu ao cenário dos esports, e uma vez que este se estabeleceu no Brasil, se estabeleceu como um cenário para poucos; criou-se a ideia de que era caro ter o equipamento necessário para ser um jogador profissional.

Isso perdurou até o surgimento do Free Fire, que é um case de sucesso quando as palavras “esports” e “periferia” se misturam. A febre do jogo para celulares fez com que um número bem maior de pessoas conhecesse o que é um cenário competitivo de jogos.

No caso do battle royale da Garena, seu sucesso veio justamente por ser um jogo mobile: em todo o território brasileiro, mais de 79,3% dos indivíduos possuem celulares próprios com internet. Assim, um jogo leve, que roda em qualquer equipamento, se torna acessível para qualquer um.

Facilitando o acesso ao jogo, facilita o acesso ao cenário: jogadores que buscam uma carreira no Free Fire, por exemplo, não necessitam de itens normalmente caros como mouses, teclados e grandes monitores, apenas um celular é suficiente. Assim, pode-se dizer que a existência da “Copa das Favelas” é a confirmação de que o battle royale se estabeleceu de vez para as periferias.

O evento foi patrocinado pelas empresas Perifacon, Black Rocket e Matiz Gestão Criativa, e reuniu 12 times de favelas brasileiras. As equipes foram sorteadas entre 100 inscritas, com a equipe Divinéia, do Paraná, sendo campeã numa acirrada final contra a Jardim São Paulo, da capital paulista.

Olhando para o lado educacional, temos o complexo AfroGames do Rio de Janeiro. Podendo ser considerada uma escola de esports, a instalação possui salas de computadores e tem como objetivo formar atletas da periferia. Ricardo Chantilly, responsável pelo projeto, ressalta que a educação é o ponto principal. 

“Para se dedicar a uma carreira, é preciso ter estabilidade de internet e financeira para investir em bons equipamentos, além de tempo para treino. Os adolescentes da periferia não tem tanto tempo quanto os jovens de classe média para isso”, disse Chantilly durante entrevista para a revista Exame.

O projeto tem seus times de Fortnite, League of Legends e, futuramente, também estarão ensinando jovens a entrar no mundo do Free Fire. Assim, o AfroGames promete inserir cada vez mais pessoas de baixa renda no cenário competitivo brasileiro, quebrando a ideia de que os games são algo para a elite. 

Mas, ainda há um longo caminho até chegar no nível das grandes organizações do esporte virtual. Quando os jogadores já começam sua carreira instalados nas gaming houses, as casas que combinam moradia e treinamento para os jovens atletas, os profissionais já chegam com equipamentos melhores e mais apropriados.

Mas, para formar as equipes, é comum que os times busquem jovens que ainda não receberam uma oportunidade. Um exemplo disso é o Flamengo, que tem um time de Free Fire com jovens da periferia do Rio de Janeiro.

Pode-se dizer ainda que o cenário já aumentou mais o meio do esporte eletrônico no Brasil do que League of Legends, em termos de geografia. O cenário de LoL acaba sendo centralizado em São Paulo, o que dificulta a entrada de jovens de outros estados, especialmente aqueles que não têm condições de se mudarem. Assim, a dificuldade do cenário se soma com as dificuldades que uma mudança de estado traria.

E não é algo que se restringe ao Brasil: em 2018, a ESPN realizou uma pesquisa nos Estados Unidos sobre a falta de indivíduos negros envolvidos com esports no local. Lá, quase 50% dos consumidores são brancos, apenas cerca de 20% são negros e/ou hispânicos. No League of Legends europeu, todas as grandes personalidades internacionais também são brancas, e o mesmo para o Counter-Strike e outras modalidades.

Iniciativas como Wakanda Streamers (no Brasil) e Black Girl Gamers (nos Estados Unidos) participam do cenário em função de reverter essas porcentagens, ainda que na área de geração de conteúdo. 

Com o crescimento do Free Fire, novos ídolos aparecem, e consequentemente temos uma grande mudança no competitivo brasileiro. A ascensão de nomes como Nobru, considerado o Neymar do battle royale, apresenta uma nova possibilidade para jovens e adolescentes que desejam mudar de vida com os jogos.

O competitivo de Free Fire também tem sido exemplo para os elencos de narradores e comentaristas, priorizando profissionais negros e mulheres, que geralmente tem pouco destaque no cenário. Resta saber como os próximos torneios de outros jogos irão trabalhar a questão da diversidade, tanto para atletas como para demais profissionais da área.

No Campeonato Brasileiro de League of Legends, por exemplo, vemos apenas uma mulher em meio aos homens comentaristas. Sendo o campeonato de esports com maior audiência no país, uma mudança se faz bem-vinda para que isso reflita no restante do cenário.

Em resumo, o crescimento do esporte eletrônico já não comporta seu nicho inicial, e hoje deve se recriar com urgência para dar espaço a grandes vozes e talentos que ainda não apareceram, ou que estão buscando espaço em um meio que nunca foi receptivo para minorias.

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